Tempo é Dinheiro
segunda-feira, 31 de março de 2014
Lionel Shriver é famosa por seus livros de temática polêmica. Seu livro mais famoso é Precisamos Falar Sobre Kevin,
que inspirou o filme homônimo (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-146626/).
Não menos polêmica é a
temática central do livro Tempo é Dinheiro.
A história se passa em Nova York. Shep Knacker economizou a vida toda para
poder um dia finalmente se aposentar precocemente e se mudar com a família para
uma ilha na costa africana e viver apenas com o que conseguiu juntar. Quando
estava prestes a realizar seu plano e revelar sua intenção à sua esposa, ela
lhe revela que vem escondendo dele um câncer incurável. Encurralado, Shep
desiste mais uma vez de seu objetivo, uma vez que não poderia deixar seu emprego
e ficar sem o plano de saúde corporativo financiado pela empresa em que
trabalha nesse momento.
A família do melhor amigo de
Shep, Jackson, também se vê em uma situação parecida: com uma filha portadora
de uma doença genética degenerativa rara, o plano de saúde é essencial para
eles, tornando-os uma espécie de refém de seus trabalhos.
Posteriormente, a saúde de seu
pai também se torna fonte de mais prejuízo financeiro para Shep. Diante de
tantos baques, Shep e Jackson passam a discutir o custo de vida nos Estados Unidos
e o retorno real que tantos impostos têm para o contribuinte. Custear
pessoalmente as despesas de um plano de saúde é impensável, devido ao alto
custo; pagar sozinho, sem o auxílio desse recurso, pelos tratamentos é
igualmente inviável. E como se não bastasse, os usuários desse serviço ainda
têm que justificar aos planos porque realmente precisam do tratamento que estão
contratando.
Diferente do Brasil, não
existe nos Estados Unidos uma estrutura de saúde pública como o SUS. A
população consegue apenas um atendimento emergencial, mas todo o tratamento é
custeado por ela ou por seu plano de saúde. A população de baixa renda e,
especialmente, imigrantes ilegais contam com pouco ou nenhum acesso a esse
serviço.
Diante desses argumentos, a
autora levanta uma questão importante: quanto vale a vida humana? Por que um
tratamento ou a manutenção da saúde acaba se tornando tão cara para a
população, quando na verdade é uma necessidade básica? E porque o governo se
esquiva tanto – ou se envolve tão pouco – para oferecer às pessoas um bem tão
primordial, sendo essa uma de suas obrigações diante de tantos pagamentos
recebidos na forma de taxas e impostos?
Empresários discutem a reforma do sistema de saúde americano, enquanto a população fica de fora das negociações. |
Há vários pontos que podem ser
usados de comparação com a realidade brasileira nessa história. Um deles é a oferta
de saúde pública. O Brasil está entre os países mais desenvolvidos na área
médica, mas tanto desenvolvimento alcança uma minoria que pode custeá-lo do
próprio bolso. Por outro lado, existe uma oferta de saúde pública, gratuita,
para a população, diferente dos Esta
dos Unidos. Filas em hospitais, falta de
leitos e corredores lotados não é melhor lá simplesmente porque são os Estados
Unidos. O tratamento aqui é lento, mas pelo menos o paciente não recebe uma
conta para pagar junto com sua alta hospitalar.
Pagar um plano de saúde
particular, por mais caro que seja, ainda é uma opção aqui. Os planos de saúde
são difíceis de lidar tanto aqui quanto lá, sempre tentando encontrar uma
escapatória para suas responsabilidades contratadas. Mas ainda assim, aqui é
pelo menos possível custear sozinho um serviço desses, sem depender
exclusivamente de um emprego em uma empresa que ofereça esse benefício.
O dinheiro dos impostos mal
administrado ou desviado criminosamente é algo em que nos igualamos. A única
diferença, talvez, é que os cidadãos de lá já se atentaram para o fato de que é
o político que trabalha para o povo e não o contrário. Um caso de corrupção lá
é julgado, punido e considerado um ato vergonhoso; um caso de corrupção aqui é
tratado com descaso, tanto pelo poder público quanto pela população que tanto
enche a boca para falar dela e o povo é engambelado até finalmente esquecer de
tudo. Nas próximas eleições, um partido coloca um ícone público que não vai
fazer absolutamente nada em seu cargo, e que apenas servirá para “puxar” votos
para aqueles políticos que a população não quis realmente eleger, e fica tudo
certo.
Há no livro várias discussões políticas sobre a administração do dinheiro público e o valor real que o cidadão tem para o Estado. Esse tipo de argumentação é excelente para se fazer comparações e refletir sobre o que encontramos na nossa própria realidade e, com isso, pensarmos melhor sobre o que pode ser feito para mudar a situação - para melhor ou pior. Uma lição importante tirada das atitudes de Shep nesse livro é a de que a felicidade individual e do próximo é de total responsabilidade de próprio indivíduo, ou seja, são as escolhas de uma pessoa que fazem com que sua vida mude. Colocar toda a responsabilidade num governo corrupto e não se dispor a mover um dedo para impedi-lo, seja com votos conscientes ou cobranças dos políticos já eleitos, não muda absolutamente nada - e de quebra ainda dá a vantagem para os corruptos.
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